Como é desfilar em uma escola de samba no Carnaval do Rio de Janeiro

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Desde criança sempre fui apaixonada pelos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. Ficava assistindo fascinada. Sei de cor até hoje muitos sambas de enredo… Na apuração, fazia uma “planilha” num caderno e ficava acompanhando nota a nota.

Nas minhas fantasias de menina, eu sonhava (e afirmava!) que um dia veria tudo aquilo de perto – mas, na vida real, acho que eu nem sabia que Rio de Janeiro era um lugar possível de se conhecer…

Corta para 2015. Eu já morava na Cidade Maravilhosa. Curtia um ou outro bloquinho no Carnaval de rua e continuava acompanhando (ainda pela TV) os desfiles na Sapucaí, mas com a alegria de estar mais perto. E fazia aulas de dança contemporânea no Centro de Movimento Deborah Colker – sem nenhuma pretensão, só mesmo porque precisava de uma atividade física que não fosse chata e a escola fica perto da minha casa.

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Já era janeiro quando uma das meninas da turma comentou que a Unidos da Tijuca estava selecionando “pessoas com experiência em dança” para alas e carros coreografados. Bom, eu nem sabia que me encaixava na categoria “pessoas com experiência em dança”, mas me animei. Junto com outras amigas, fomos até o barracão da escola na Cidade do Samba para ver qual era.

Chegando lá, o assistente do coreógrafo nos deu informações básicas e logo ensinou uns passos, que deveriam ser executados já cantando o refrão da música. Repassamos algumas vezes até que o coreógrafo responsável foi nos avaliar. Passamos! E já foi dando as instruções. Foi tudo muito rápido.

“Entrem naquela sala que as outras pessoas já estão lá ensaiando. Ensaiem junto. Depois preencham a ficha com os dados pessoais, tamanho da roupa/sapato para o desfile, paguem a taxa simbólica (acho que eram 10 reais) e deixem duas fotos 3×4. Agora vamos subir no carro alegórico para vocês conhecerem”… Oi?!?!? Carro alegórico?!?! Eu estava achando que ia desfilar no chão…

Fiquei meio decepcionada e, nessa hora, foi que parei para pensar se valeria mesmo a pena ou se seria melhor desistir. Tinha medo de cair, sei lá. Ele explicou que a ala de chão já estava completa e as meninas me incentivaram dizendo que no carro seria até melhor – eu tenho pressão bem baixa e faria menos esforço, fora que em parte da música ficávamos paradas. Resolvi ficar.

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Camisa dos integrantes do terceiro carro

Ensaios para o Carnaval do Rio de Janeiro

Dali até o Carnaval foi uma rotina bem puxada de ensaios. Tudo muito profissional. Todas as segundas-feiras, das 19h até umas 23h ou mais, direto, dançando, ensaiando e re-ensaiando, muda coreografia, volta pra anterior, leva esporro, muda de novo, decora de novo, chega em casa suadíssima (o barracão não tem ar condicionado), com dores, cansada… Mas eu sabia que ia valer a pena e era isso que me fazia continuar!

O enredo do ano era “Um conto marcado no tempo”, sobre a Suíça. Nosso carro alegórico se chamava “Engrenagens” e era uma referência aos relógios e ao trabalho nas máquinas no filme “Tempos Modernos”, de Chaplin.

A fantasia era a do personagem do filme – macacão listrado, camisa branca por baixo, botas pretas, flanelinha na mão, chapéu preto e rosto todo pintado como o de Chaplin. Clássico e leve! Bem diferente de algumas pesadas e cheia de adereços na cabeça e nos ombros – que são lindíssimas, mas prefiro o conforto do que o glamour.

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Chaplin e as engrenagens no filme “Tempos Modernos”: inspiração (Foto: IMDB)

A coreografia era assim: o carro tinha dois andares, cada um com várias “casinhas” simulando um relógio cuco; e os integrantes eram divididos em dupla e cada dupla ficava em uma “casinha”. A minha era no andar de cima, em dupla com uma amiga da dança.

Em uma parte da música, enquanto uma dançava, a outra ficava lá dentro, de portas fechadas, manipulando o passarinho do cuco que entrava e saía em trechos específicos da música.

No refrão, as duas rodavam rapidamente entrando e saindo, meio que causando uma ilusão de ótica em quem assistia (é só uma pessoa? são duas? três?). E, em outra parte, as duas ficavam quietinhas “escondidas” dentro da casinha. Depois recomeçavam, revezando quem dançava com quem mexia no cuco.

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“O relógio disparou, chegou gente bamba…”

Algumas semanas antes do Carnaval teve o ensaio técnico na Sapucaí. Cada ala/carro com as camisas da escola + short/calça e sapatos brancos, sem mostrar fantasias ou alegorias. E todos no chão. Tudo na ordem certa de alas/carros, atravessando a avenida ao som da bateria – que é de arrepiar, mas só então me toquei que é beeem mais acelerada que o ritmo que a gente canta/dança durante os ensaios (e é claro que isso faria diferença no dia, o que me deixou preocupada, mas depois relaxei).

Foi lindo ver a plateia cantando junto, acenando, como se fosse mesmo o dia do desfile! Deu para ter um pequeno gostinho de como seria o meu desembarque fascinante no maior show da terra… Acho que foi aí que minha ficha caiu, eu estaria no Carnaval da Sapucaí e, mais que isso, eu faria parte dele!!!

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Início e fim do ensaio técnico na Sapucaí

Desfile na Marquês de Sapucaí

A Unidos da Tijuca foi a última escola a entrar na avenida no segundo dia, fechando o Carnaval (sente a responsa!). Mas tivemos que chegar na Cidade do Samba por volta de meia-noite para a maquiagem, feita por profissionais.

Já fantasiadas e maquiadas, seguimos a pé para a Av. Presidente Vargas, onde ficamos esperando até nossa hora, vendo o movimento de outras escolas, outros carros. É um clima ótimo.  As pessoas passavam, olhavam, muitas até pediram para tirar foto. #momentofama

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MariChaplin

Levei uma pequena mochila com água, isotônico, um leque – pense no abafamento dentro do carro alegórico em pleno verão – e até esparadrapo, pois algumas pessoas se arranharam/ cortaram durante os ensaios. Comigo estava tudo certo, mas nunca se sabe. Sou neurótica precavida. Levei, também, um latão de energético para tomar durante a noite e aguentar firme.

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Portas fechadas, dançarinos descansando em suas casinhas

O momento em que ficávamos paradas dentro da “casinha” era bom porque dava para descansar um pouco. Realmente melhor e mais tranquilo do que se eu tivesse saído no chão, dançando e andando o tempo todo. E ainda dava para me hidratar.

Com os atrasos, já eram mais de 5h30 quando entramos. Combinando com o início do refrão que dizia “Deixa o dia clarear, Tijuca! Tá na hora a gente vai à luta!” Qualquer cansaço/sono vai embora. Bate uma emoção louca, coisa de coração disparar e perna tremer.

Ainda na concentração, já subimos no carro e vamos dançando para entrar no clima – e para muita gente que, sem ingresso para a Sapucaí, fica de fora e só vê essa parte. Até que o carro entra realmente na avenida! \o/ \o/ \o/

É louco porque a gente não tem muita dimensão do tamanho do impacto que é ver um carro alegórico coreografado em um desfile na Sapucaí. Dá para sentir a energia, o som da bateria é algo que não tem explicação, mas só depois, quando vi fotos/vídeos de pessoas que estavam lá e também o desfile na TV é que percebi como foi incrível. Quase difícil de assimilar que eu era parte daquilo! Me arrepio e me emociono até hoje quando vejo!

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“É do Borel o Prêmio Nobel do samba!”<3

Porém (ah, porém…)

Preciso contar que nem tudo são flores… Ver tudo pronto, na avenida, é lindo, inexplicável! Mas só quem vive os bastidores sabe de todo o trabalho que existe para chegar àquele resultado perfeito que todo mundo assiste. Os ensaios são puxados – e olha que só começamos em janeiro, tinha gente lá que estava desde o ano anterior, acho que a seleção começou em bem antes, fora os que já trabalhavam desde o fim do outro Carnaval.

E tem a pressão. É uma função, um compromisso que você assume e precisa cumprir da melhor maneira. Não pode errar os passos, não pode errar a letra da música, tem que cantar, tem que estar todo mundo sincronizado, não pode fazer a escola perder um décimo por sua causa!

Eu tentava ficar calma, mas não conseguia parar de pensar que aquilo que poderia parecer uma “diversão”, para muita gente é o esforço de um ano inteiro posto a prova. Gente competente que vive disso e merece todos os melhores resultados. E eu era uma pecinha da “Engrenagem” e cada peça era importante. Fora que aquele era o primeiro ano da Tijuca sem o Paulo Barros (carnavalesco famoso pelos carros coreografados) e a gente precisava tipo arrasar e mostrar que isso era possível sem ele – e foi. #beijonoombro

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Parte dos “Chaplins” horas antes de entrar na Sapucaí

Mas eu acabei tendo um problema… Porque os ensaios foram todos em cima do carro parado. E, quando ele entrou em movimento, foi completamente diferente. Eu costumo enjoar em viagens e, dançando virada para a lateral em cima de um carro que andava para frente, não ia dar outra.

Não cheguei a passar mal, mas, em um dado momento, fiquei tonta, tive uma pequena queda e bati meu pulso em uma parte que era de vidro (espelho) e cortei feio. Aquele sangue todo saindo, o cansaço, o calor, o enjoo, a pressão baixa… Olha, ali foi bem difícil. Minha sorte é que minha dupla querida fez a coreografia duas ou três vezes seguidas enquanto eu me recuperava dentro da “casinha”. Lembra do esparadrapo que levei na mochila? Acabou sendo útil.

Depois voltei e consegui ir até o fim. Quando acabou, veio um misto de sensações. Alívio, cansaço, missão cumprida, vontade de sair dali logo e, ao mesmo tempo, de ficar mais um pouco assistido ou até ir de novo. Veio um “guincho” (não exatamente, mas não sei o nome) que nos tirou lá de cima – a subida foi de escada.

Sugeriram que eu fosse ao pronto atendimento ver o corte, mas tinha muita gente lá realmente passando mal e preferi ir embora. Ainda andamos um tanto até chegarmos a uma estação de metrô. Já era dia. As pessoas nos paravam para cumprimentar, diziam que o desfile tinha sido lindo, elogiavam. Momento fama de novo! heheh

Nessa hora tudo o que eu queria era chegar em casa, limpar a maquiagem, tomar um banho, colocar um curativo decente no meu pulso/punho e dormir. Essa última parte obviamente que não consegui, porque a adrenalina demorou horas para baixar. E o machucado depois acabou infeccionando, porque eu teria que ter dado pontos na hora. Entrei no antibiótico por uma semana, foi horrível. E ainda fiquei com uma cicatriz – brinco que tenho o desfile marcado na pele para sempre. 😛

Isso de ser a última escola, já de manhã, foi um perrengue também, porque a gente teve que virar a noite toda – e amanhecer com energia! Tanto que, na apuração, confesso, fiquei com medo da Tijuca ganhar o primeiro lugar e eu ter de virar a noite de novo. Acabou ficando em quinto e, no desfile das campeãs, mais cedo e mais livre, sem a pressão de ter de fazer coreografia, me diverti. Acenava para o público, foi tudo maravilhoso, parece até que passou mais rápido e eu queria mais. Queria de novo!

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Punho enfaixado, maquiagem improvisada e desânimo estampado na cara no desfile das campeãs – mas depois passou!

Foi uma experiência única na minha vida. Um sonho de infância realizado. Uma noite mágica e inesquecível. Me perguntam muito se tenho vontade de repetir… Sim, tenho! Mas sei  que é preciso pensar bem e se preparar bem antes de encarar. Quem sabe um dia… Agora, vou focar no sonho de ir assistir a tudo de perto!

Como desfilar no Carnaval do Rio de Janeiro

Outra opção para quem quer desfilar em uma escola de samba no Rio de Janeiro é comprar a fantasia. Todas (ou quase todas) as escolas têm alas destinadas a vendas. Aí é bem mais tranquilo – e possivelmente mais leve/divertido – porque não tem tanto a pressão de não poder errar e tals. Nos sites costumam ter os contatos dos diretores dessas alas comerciais, que são poucas. Acho que tem sido cada vez menos comum porque, mesmo não tendo coreografia, é preciso ter, digamos uma “cadência” ao cruzar a avenida, é preciso saber cantar o samba, coisa que muita gente acaba não decorando, e isso conta pontos para as escolas. É uma competição, afinal.

Para ler ouvindo – e assistindo (o carro aparece a partir de 6’45”):

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