Sobre lugares, músicas, memórias e recomeços

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Sentada no chão do apartamento vazio, penso se eu precisava mesmo de tanto espaço. A mudança saiu, eu saio daqui a pouco e enquanto isso estou aqui, ouvindo o eco da minha própria respiração e divagando.

De quais memórias vou me recordar lá no futuro? Quais lugares terão sido só mais um apartamento e quais serão pra sempre lembranças? A sala minúscula onde mal cabiam os amigos ou a sala espaçosa onde nunca entrou ninguém?

Quantas janelas ainda vou colecionar daqui pra frente? Alguma vai conseguir ser mais bonita que essa? Terei mais lembranças da porta pra dentro ou da porta pra fora? Já morei em tanta casa que nem me lembro mais e vivi coisas boas e não tão boas em todas elas, independentemente de espaço ou de vista ou de localização. Porque no fim das contas não é sobre isso.

Pensei na próxima moradia e nas expectativas que eu ainda não tinha tido tempo de criar, o que era bom. Mas tinha uma novela do Manoel Carlos em que uma personagem morava em uma vila. Nem era Leblon, nem era Helena, nem tinha glamour. E era ela que eu queria ser. A personagem da Viviane Pasmanter, que tinha um labrador e um caso com o Caco Ciocler.

Eu queria tudo! Depois pensei que um labrador ia dar muito trabalho e desisti. Depois pensei que um Caco também daria e também desisti. Mas a casa de vila. Essa ficou guardada em um canto, daqueles onde a vida adulta armazena ou esconde os sonhos que, pelo desenrolar da própria vida, a gente percebe que não vai dar para realizar. E fui feliz (e infeliz) nos apartamentos e nos “apertamentos” pelos quais passei.

Até o dia em que recebi as fotos de um imóvel que tinha aparecido para locação na cidade onde eu estava procurando. Foi instantâneo. Tocou até a música da Tânia Mara, que era trilha da personagem. Tinha de ser. Era pra ser – ou tudo são sinais se você for doido o suficiente. E agora eu estava ali, sem ter feito muitos planos, mas pronta pra nova fase e aberta pra saber se a realidade vai ser mesmo tão legal como era sonhar!

Me levanto pra olhar mais uma vez pra cada uma daquelas paredes que nunca mais vou ver. Lembro que decoro CEPs quando chego e esqueço todos quando saio com a mesma facilidade. Do nada cantarolo mentalmente Chandelier. Do nada. Da mesma forma que chegou, saiu e deu lugar ao refrão de Titanium, do David Gueta. Fico decepcionada com minha rádio mental. David Gueta?!?!

E automaticamente volto duas casas atrás – dois apartamentos, no caso. Engraçado como eu tenho uma memória auditiva musical. Algumas músicas me remetem a lugares sem que tenha necessariamente uma conexão, tipo Brumário da Ivete com o Lulu Santos me lembra Londres.

Não sei que música vai me fazer me lembrar daqui, se é que vai ter alguma. Lembranças a gente só descobre no futuro, num dia banal, quando você está lavando uma peça de roupas, uma música toca e o sentimento vem e te transporta… você já não está mais ali, está em outro lugar, em outra época.

Músicas que eu nem me lembro exatamente se ouvi ou quando ou onde, mas que algum cantinho do cérebro guardou. Gosto disso. De não precisar me preocupar em manter algumas memórias porque elas de alguma forma acabam se mantendo sozinhas.

Hoje só sei que, apesar de tudo e de tanto, a cada encaixotar e desencaixotar de mil coisas eu passo a acreditar que a vida será melhor no futuro. Eu penso em comprar almofadas mais coloridas, em quem sabe pintar uma parede. Fazer Yoga. Ter umas plantinhas. Eu faço uma lista de resoluções tipo ano novo – e não deixa de ser, porque todo dia é. Ou nenhum dia é, porque todo dia às vezes é só um dia depois do outro e a vida vai se desenrolando (e se enrolando) e só na hora de encaixotar tudo novamente é que me lembro das resoluções. E faço todas de novo. Almofadas coloridas, yoga, parede, plantas. Um dia, quem sabe.

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