Ah, mas antes podia e… pois é, não pode mais. Simples assim. Se um dia foi algo naturalizado, deixou de ser. Se no passado ninguém reclamava, hoje as pessoas reclamam e vão continuar reclamando. E como é no presente que a gente vive, é à atual realidade que todo mundo precisa se adaptar. Estou falando dos casos de assédio na Copa da Rússia, mas poderia estar falando do que acontece com tantas mulheres todos os dias nas ruas, nos transportes públicos, nos ambientes de trabalho e, infelizmente, nos quatro cantos do mundo.
Caso alguém ainda não saiba: teve grupo de homens cercando uma mulher que não entendia a língua deles e, aos risos, pedindo que ela repetisse palavras cujo significado ela desconhecia, mas que se referiam ao seu órgão sexual; teve homem tentando beijar repórter; teve grupo cantando funk ofensivo para outra repórter; teve homem se aproximando de um garoto que também não entendia a língua dele e pedindo que repetisse frases sobre sua orientação sexual, fazendo-o afirmar que queria “dar” para um dos jogadores da seleção brasileira. Isso só para citar alguns exemplos. Em comum, o fato de serem sempre homens constrangendo mulheres e/ou crianças, nunca outros homens!
Não bastassem os atos, alguns ainda filmaram e divulgaram nas redes sociais, possivelmente acreditando que, como eles, todo mundo acharia aquilo engraçado. Só que os vídeos tiveram alcance maior que o previsto e os casos repercutiram de forma negativa, abrindo uma discussão necessária sobre assédio.
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Os envolvidos foram logo descobertos. Tem engenheiro alvo de operação da Polícia Federal por desvio de dinheiro público, advogado ex-secretário de turismo condenado por mau uso de dinheiro público, pai que deve pensão alimentícia, policial que já participou de ações contra o assédio no dia da mulher, funcionário (já demitido) de uma companhia aérea, estudante brasileiro em intercâmbio na Europa, jogador de um time da Noruega…
Viraram notícia em todos os jornais, sites e programas de televisão! Muita gente criticando, muita gente manifestando a vergonha pelos atos, publicações de repúdio feitas por pessoas famosas e anônimas. Ao tentarem se explicar, só pioraram as coisas. Reforçaram o machismo, não se desculparam (afinal, acham que só estavam mesmo brincando), usaram a velha desculpa do álcool, lamentaram a repercussão (não o ato), enfim, um show de clichês que só comprovaram o quanto são babacas, para usar um termo leve. Serão investigados e, espero eu, punidos.
Houve quem se incomodasse (talvez por identificação) e não demoraram a aparecer comentários de revirar os olhos – e o estômago. Gente achando graça, tentando justificar, relativizando os fatos, usando argumentos rasos e/ou ataques gratuitos, fazendo comparações sem o menor sentido. Às vezes me pergunto se as pessoas realmente não estão entendendo ou se apenas não estão a fim de entender e agem assim numa tentativa desesperada de manter o “direito de humilhar os outros”.
As notícias repercutiram em outros países e chegaram ao conhecimento das mulheres russas, que, claro, ficaram indignadas. Uma delas fez um abaixo-assinado e desde que vi estou divulgando, porque acho que quanto mais gente assinar, melhor. Podia ser comigo. Penso em mim e em tantas viajando sozinhas por aí. Apesar de que a gente nem precisa ir longe para isso…
Leia também: Sobre os direitos das mulheres (e sobre o direito das mulheres viajarem sozinhas)
E entre gols e zebras e jogadas polêmicas e craques e crushs, a Copa do Mundo vem sendo também uma oportunidade para falar de temas importantes. Eu sei que para muitos ainda é complicado lidar com as mudanças pelas quais a sociedade vem passando, a desconstrução é um processo lento e que talvez nunca se concretize totalmente. Mas nós precisamos (em primeira pessoa mesmo, porque me incluo) estar minimamente abertos a ouvir e refletir. Não tem nada de errado assumir que pensava de outra forma, que estava errado, repensar e agir de forma diferente.
Assédio não é brincadeira e nem divertido. Causa constrangimento, humilhação. A palavra chave é consentimento – se não há, então é assédio. Ponto. Não é uma questão de opinião ou, muito menos, de posição política. Também não é sobre pensar na mãe, na irmã, na filha. É simplesmente pensar que nós somos, todas e todos, seres humanos e que ninguém é superior a ninguém. Não é tão difícil assim, vai?
Aí vem gente comentando que não precisava de tanto. Olha, precisava sim. Eles fizeram, eles filmaram, eles são adultos, têm uma boa condição de vida, são bem informados, se alguém exagerou e pegou pesado foram eles. Pois agora que arquem com as consequências! E sem essa de dizer que o mundo está chato. Eu tenho certeza que, para quem respeita os outros, está (e ficará) cada dia melhor.
Foto: Pixabay