“Para começar esse relato do começo, preciso voltar lá na virada de 2017 para 2018. Eu vinha de um momento de resgate de mim mesma após o término de um filme que se chamava namoro de quase cinco anos.
Pois bem, para a virada do ano eu e alguns amigos decidimos embarcar numa viagem que envolvia trilhas, cavernas, cachoeiras e muito desconhecido. Eu não sabia que: celulares não iam ter sinal, internet muito menos (a gente entrava no único bar da cidade com wi-fi às vezes, só para tentar avisar que estávamos vivos), que eu ia amar mais ainda amendoim, que eu ia dormir na virada do ano de tão cansada das atividades do dia e que ia ser incrível! Foi assim que começou meu 2018, com muita presença e a vida mostrando toda a força que ela tem! Foi na escuridão das cavernas que eu literalmente vi a luz – das lanternas, rs e a minha.
Não podia ter sido melhor e foi nesse ritmo de empoderamento misturado com olhar para o que eu preciso/quero que veio a decisão que teria como resultado final minha primeira viagem internacional (nem passaporte eu tinha) e sozinha. Mas não é “só” isso senhoras e senhores… tinha uma cidadania italiana ali.
Sim! Eu não decidi viajar sozinha porque deu vontade, eu ainda tinha a crença de que viajar é difícil, trabalhoso (dá trabalho, mas é gostoso), caro (se organizando a gente consegue muita coisa, juro!) e as pessoas tão lá pra quê? Algumas pra te apoiar, mas muitas pra te colocar medo e dizer: Mas você vai sozinha?
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Com medo ou sem medo, comecei a minha primeira viagem sozinha, a busca dos documentos. Documentos em mãos, estadia na Itália ok, toda a pasta do mundo me esperando do outro lado do oceano, um carro vendido aqui, uma conta de banco zerada ali, uma febre de 39° uma semana antes de viajar porque o estresse estava a mil e o sistema imunológico a zero, mas tudo ok! Setembro/2018… Itália… tô aí.
Como era a minha primeira viagem internacional, além da documentação eu li um trilhão de vezes todas as regras, tudo o que a imigração poderia pedir, possíveis vacinas necessárias, eu não sabia muito o que tinha de fazer no aeroporto, mas segue as placas e dá tudo certo.
Ao entrar no avião, ninguém mais falava a minha língua. Ok – inglês modo ativar e bora. A pergunta: “mas o que é que eu estou fazendo?” veio? Claro. Mas, voando já sobre a África, não tinha nada a ser feito a não ser seguir.
Cheguei em Roma, aquele aeroporto enorme, conheci um casal de brasileiros que estava indo com a mesma finalidade que eu, seguimos as placas até a imigração. Passaporte carimbado, era só seguir para Milão. Dormi assim que sentei na poltrona e só acordei na terra da moda.
A vida seguiu, meu processo também. Eu tinha passagem de volta para o Brasil com data marcada, dezembro. Nos meus planos eu iria ficar todo esse tempo na Itália! Mas… A vida tem seus próprios planos, o imprevisto veio e surgiu a oportunidade/necessidade de optar por continuar na Itália mesmo ou VIAJAR PARA OUTROS PAÍSES.
Quê???
Obviamente meu impulso foi ficar no que já era conhecido, a terrinha que eu já podia chamar de minha também, a terrinha dos nonos, onde eu já sabia onde era o mercado, a regra de pegar frutas com a luva, validar ticket de trem, o idioma já soava menos estranho e mais familiar. Mas pedi a opinião de duas pessoas e um gato e decidi viajar.
Depois de muito (MUITO) procurar, o próximo destino seria a Alemanha. Me organizei, uma pessoa muito querida concordou em hospedar minha mala na Itália para que eu pudesse viajar somente com uma mochila – era inverno, então imaginem que não coube muita coisa, só tinha o essencial (que bom!).
Como encontrei o lugar que eu fiquei? Virei a internet de cabeça para baixo, procurei muito, fiz contato com pessoas, usei uma plataforma que considero confiável, pedi ajuda pro santo e reservei. Eu tive medo? Sim. Eu falo alemão? Nada. Eu fiquei numa casa com alemães? Sim.
Próxima… Compra de passagem de avião. É fácil? Muito. Se você não tem experiência, como eu não tinha, também dá um medinho de fazer errado. Mas deu tudo certo. Dia da viagem, mais apreensiva, na verdade, em não perder o voo, porque os horários de trem no inverno mudam e parece que começam mais tarde (eu ia pegar trem + ônibus até o aeroporto). Mas não perdi. Andei muito com a mochila nas costas as 5 e pouco da manhã. Uma hora e meia depois… Alemanha… cheguei!
Cheguei pedindo informação, né minha gente. Me desesperei levemente ao comprar o bilhete de trem para minha cidade de destino e, quando percebi que estava demorando, dei a vez a uma mulher que estava atrás de mim. Ela era italiana e o marido alemão. Ao invés de pegarem a vez e me deixarem lá, ofereceram ajuda e assim comprei meu primeiro bilhete na Alemanha. Mas ó… é tranquilo de comprar sozinha, é só não se desesperar. Mas se sentir que precisa de ajuda, peça. Eles são muito precisos nas informações (pelo menos as pessoas que encontrei).
Meu destino ficava a seis horas do aeroporto, então se tem uma coisa que eu conheci um pouco foi o sistema de transporte e ó… estão de parabéns. Peguei trem errado? Sim. Mas espantosamente eu não me desesperei, porque tudo é interligado de uma forma que dá certo, você chega ao seu destino e tem gente por todo lado para dar informação e olha que eu tinha tudo anotado, mas não faria nada diferente.
Foi uma estadia incrível, me senti muito a vontade. Meu único medo era infringir alguma lei alemã e pagar multa de 500 euros… hahaha. De resto, que pessoas incríveis e acolhedoras e que experiência linda (mas fica pra outra hora, senão vai virar e-book aqui).
Tchau Alemanha e seus dias ensolarados e temperaturas baixas e pôr do sol no mar. Hora de voltar para a Itália e… primeira noite dormida no aeroporto de Hamburgo. Nunca tinha acontecido e eu não fazia ideia de como seria. Li sobre a estrutura do aeroporto para quem precisa passar a noite e fui, meu voo era cedinho no dia seguinte. Tudo ok, internet boa, um café aberto 24 horas, não passei frio… sucesso.
Voltei pra Itália, mais precisamente para Milão, para ficar alguns dias, pois tinha coisas burocráticas a resolver. Como nem tudo são flores, dessa vez me hospedei em um local onde sou grata por terem me recebido, mas não ficaria novamente por diversos motivos. Fiquei na minha, afinal seriam só três dias e a próxima parada? Portugal.
Já era final de novembro, eu já estava mais segura com essa coisa de viajar sozinha, vivendo só com as roupas da mochila e um par de tênis por alguns meses. E eu ia para um país que falava a minha língua, então fui muito tranquila. Cheguei à noite (foi o único país em que cheguei a noite) e com chuva. Porto, né?! Rs. Chove.
Saí do aeroporto logo, o check-in no hostel não tinha horário, mas eu sabia que a pessoa estava só me esperando, então eu não ia enrolar. Para pegar o trem, conversei com um casal de franceses e eles me indicaram certinho, íamos todos no mesmo trem. Fiquei encantada assim que saí do trem e vi uma igrejinha tão característica de Portugal que pensei… cheguei!
Apesar de ser noite, tinha muita gente nas ruas. Fui a pé para o hostel e tudo ok. Sorrindo e chovendo, sorrindo e chovendo. Fui muito bem recebida e mais uma vez foi uma ótima experiência, muita coisa para fazer e ainda realizei o sonho de assistir ao ballet russo em ‘O quebra-nozes’. Obrigada, Porto.
Segui para Elvas, onde eu passaria uns 20 dias em uma fazenda com gente do mundo todo (tá, não era o mundo todo, mas tinha dos EUA, Suécia, França, Alemanha, Portugal, Eslováquia, Rep. Tcheca e agora Brasil – eu). Wow! Foi ‘wow’ mesmo, Portugal foi onde eu mais falei inglês e também onde mais interagi com pessoas diariamente, porque eu estava, desta vez, em um lugar com umas 15 pessoas. Fiz amigos, fomos juntos para Estremoz e Évora.
Fim de jornada… voltaria para Milão, e, como o lugar que fiquei da outra vez não foi bom, tratei de procurar outro. Reservei. Dois dias antes de embarcar a pessoa simplesmente cancelou e eu fiquei… what??? Ok… não entre em pânico, continue a nadar, Tainá. Fui dormir, já era tarde e qualquer decisão que eu tomasse ali seria precipitada.
Vivi o outro dia, que foi minha despedida em Portugal, e na volta cuidei de procurar um novo lugar. Pensei: “Na pior das hipóteses, se você não achar nenhum lugar pra ficar, dorme no aeroporto uma noite e vai procurando com calma, você vai dar um jeito.” Olha a diferença da pessoa!!! Eu já estava nessa vibe de “você vai conseguir, não é ruim, só é diferente do programado”. E foi incrível e natural.
Achei um lugar com pessoas incríveis em Milão que me receberam em sua casa e em suas vidas, dividi a casa com iranianos e foi incrível. Eu não tinha forma melhor de dizer tchau para a Itália. Vivi mais um pouco da terra que agora também podia chamar de minha, comi mais pasta, visitei mais museus, andei mais vezes sozinha à noite e de dia, me encantei mais, me enchi da vida que transbordava e, próximo do Natal, vim para o Brasil.
Devo dizer que não comprei chip de celular europeu. Sobrevivi com o wi-fi dos lugares, organização e muitos prints das rotas que eu tinha que fazer e muita vontade de chegar. Então eu perguntava muito (mesmo) para as pessoas na rua e foi ótimo. Me perdi algumas vezes? Claro. E não me arrependo.
Outra coisa que devo dizer é que eu nunca fui alguém que deixou de ir ao cinema, ao restaurante ou ao teatro porque não tinha ninguém para ir comigo, talvez eu só tenha expandido (um pouco) essa tal liberdade. Tá aí algo para eu pensar, lembrei disso escrevendo esse texto.
Voltando… Quando eu cheguei ao aeroporto de Linate (Milão) para voltar ao Brasil eu me emocionei muito, porque na hora eu me lembrei da pessoa que eu era quando desembarquei ali em setembro e da pessoa que eu estava saindo, depois de 90 dias viajando, grande parte deles com apenas uma mochila.
Que incrível! Que empoderador! Quanta vida vivida, quantos momentos compartilhados. Quanta comida boa e sabores novos! Quantas novas pessoas foram conhecidas e que me conheceram. Quantas formas diferentes de viver a vida. Quanta diversidade. Quanta história para contar e relembrar.
Só posso dizer que… 2018, eu amei te viver!”
Texto: Tainá Manzatto
Fotos: Arquivo Pessoal
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