Eu sinto saudade, mas não sinto falta

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Deitada no sofá, de bobeira, com a varanda aberta, sentindo um ventinho (adoraria ter começado com “deitada na rede”, mas ainda não tenho rede, o que tira totalmente o charme de ter uma varanda), mas enfim… sentindo um ventinho e ouvindo o barulho das ondas, eu resolvi olhar umas fotos antigas no celular. Antigas é modo de falar. Em tempos digitais, isso pode significar anteontem. Fui descendo o rolo da câmera. Não faz muito tempo (uns cinco ou seis domingos, talvez), eu estava no Aterro do Flamengo, que por 10 anos foi o meu quintal. Parei naquela imagem. O gramado verde, o céu azul, os coqueiros, o Pão de Açúcar ao fundo, o Cristo Redentor do outro lado. Bonito. Lindo. E só. Eu não senti nada além disso.

Quando passei para as fotos seguintes, também do Rio, é que fui me tocando que aquilo tudo não estava me despertando algo que eu achei que fosse despertar. E talvez por isso eu estivesse até evitando rever fotos. Achei que ia doer, dar um nó na garganta, que ia sentir uma vontade de estar lá, uma dúvida se eu tinha tomado a decisão certa… Não aconteceu.

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Aí me lembrei dessa frase que coloquei como título do texto. Eu sinto saudade, mas não sinto falta. Vi uma vez o Zeca Camargo, meu muso viajante, dizer isso em uma entrevista ou crônica, já não lembro. Assim como não lembro também à que ele estava se referindo, se era a uma de suas viagens de volta ao mundo, ao período em que trabalhou na MTV, à infância em Minas Gerais (sim, somos conterrâneos de estado) ou a nada disso. E nem importa. Importa que ao ler aquela frase, que nem sei se é dele ou era citação, muita coisa fez sentido na minha vida. Por isso nunca a esqueci.

Eu, que sempre tive uma dificuldade louca de lidar com essas questões de saudade ou falta ou sei lá o que. Eu que meio que precisava fingir não sentir nada porque se eu dissesse ou demonstrasse algo nesse sentido, ia ficar parecendo que eu queria voltar. E eu não queria. Só que eu mesma não entendia bem. Tanta gente falava tanta coisa (e eu ainda não sabia filtrar), como se fosse uma equação muito simples de se resolver. Eu sofria, ficava me questionando… Se eu nunca tive vontade de voltar, que saudade fajuta era essa então? Será que na verdade eu não a sentia? Será que eu tinha endurecido demais? Que não tinha sentimentos?

Sentir saudade x sentir falta

Fato é que a saudade sempre fez parte da minha vida a cada minuto desde que eu saí de casa, mas, ao mesmo tempo, eu sempre tive a certeza de que não queria voltar. E demorei a entender que era possível que essas duas coisas existissem juntas. Foi quando li a frase dita pelo Zeca e uma luzinha se acendeu! Era isso. Eu sentia saudade, sim. Sempre, muita. Mas eu não sentia falta, no sentido de não querer ter aquilo de volta. Até porque não se vive de novo o passado, né. A gente muda, o tempo muda, a história sempre será outra. E sou muito mais ligada em querer saber como será o futuro (olá, ansiedade). Na verdade nenhum dos dois existe e tudo não passa de uma ilusão de que o presente seria diferente, mas isso sou só eu divagando…

Ainda não sei dizer ao certo a diferença entre sentir saudade e sentir falta, nem sei bem se um dói menos que o outro. Talvez saudade seja mais abstrato e falta seja mais concreto. Mas sem juízo de valor. Acho que depende da pessoa, da situação. Na minha vida, na minha história, fez sentido dessa forma.

Minhas decisões foram todas muito conscientes, embora também doloridas em certo ponto, mas sei que vivi o que precisava ser vivido, segui em frente e vou continuar seguindo. Eu olho para o passado, vejo coisas boas, mas mesmo quando a saudade bate (e tem horas que ela bate sem dó), não é lá que eu estou e, graças a deus ou a quem quer que seja, não é lá que, agora, eu gostaria de estar! Sinto vontade de estar perto de pessoas que estão longe, mas isso se resolve na medida do possível e é uma via de mão dupla. Se essa vontade for um dia maior que tudo, eu peso prós e contras, tomo minha decisão e lido com as consequências. Talvez eu seja apenas uma pessoa muito prática.

PS: Agora pensando em músicas para acompanhar o texto, pensei em Nando, dizendo que “é bom olhar pra trás e admirar a vida que soubemos fazer”, ou Lulu lembrando que “nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia”. Mas acho que Gonzaguinha descreve melhor. “E é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá. E é tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho por mais que pense estar. E é tão bonito quando a gente vai à vida nos caminhos onde bate bem mais forte o coração. Foi assim que eu quis, e assim sou feliz.”

Para ler ouvindo:

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