Memorial dos livros queimados na Bebelplatz em Berlim, Alemanha

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“Onde se queimam livros, pessoas também acabarão sendo queimadas”. A frase foi escrita em 1820 por Henrich Heine, em sua peça Almansor. Fez sentido mais de um século depois, durante o nazismo, quando livros foram queimados na Alemanha. E faz sentido ainda hoje.

Por que não aprendemos com nosso passado? Por que tanta gente distorce a história, relativiza fatos e coloca como se tudo fosse apenas uma questão de opinião? Por que ainda deixamos que situações absurdas (para dizer o mínimo) se repitam?

Fiquei pensando nisso enquanto lia a história do Bücherverbrennung, termo alemão que significa queima de livros.

Queima de livros na Bebelplatz

O ano era 1933. Hitler tinha acabado de chegar ao poder. A população estava cada vez mais inflamada contra tudo o que fosse contrário aos padrões ideológicos do nazismo, principalmente contra pessoas ligadas às áreas de escrita e atividades intelectuais em geral.

No dia 10 de maio, em Berlim, na Alemanha, cerca de 20 mil livros foram queimados na praça Opernplatz, atual Bebelplatz, por estudantes ligados ao nazismo, sob o argumento de que era preciso fazer uma limpeza da literatura e tirar de circulação, além de punir e eliminar modos de pensar e viver diferentes.

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Bertolt Brecht, Albert Einstein, Sigmund Freud, Ernest Hemingway, Franz Kafka, Lenin, Karl Marx, Émile Zola e outros autores, todos tiveram suas obras incendiadas em um dos episódios mais emblemáticos do período.

Na sequência, o mesmo ocorreu em outras cidades alemãs, sempre em locais públicos, com data e hora marcadas, presença de bandas e de multidões que ouviam aos discursos inflamados dos estudantes que executavam o ato. Anos depois, no decorrer da segunda guerra, aconteceu o que a frase previa: o nazismo estava matando pessoas.

Memorial dos livros queimados

Hoje, em Berlim, no local onde houve a queima de livros há um memorial, feito pelo israelense Micha Ullman. No chão, uma sala subterrânea, exposta através de um vidro, com várias prateleiras brancas e vazias, onde caberiam 20 mil livros. E duas placas de ferro que lembram o acontecimento, além da frase de Henrich-Heine.

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Nessa praça fica também o campus da Faculdade de Direito da Universidade Humboldt. As fotos e informações são do Lenilton Araújo, que está na Alemanha e gentilmente foi até lá fotografar quando eu pedi.

Esse e muitos outros pontos por Berlim e outras cidades mostram que a Alemanha reconheceu as atrocidades do seu passado, evoluiu. E deixou marcado em memoriais, museus, disciplinas nas escolas, filmes e livros para que a verdadeira história não seja esquecida e não volte a acontecer.

No país, a divulgação e a apologia ao nazismo são considerados crimes e o uso de símbolos como suástica e a saudação de Hitler são banidas por lei. Já no Brasil, os horrores da ditadura são minimizados, relativizados ou até ocultados. Torturadores são exaltados por autoridades, têm sua cara estampada em camisas, elevam a popularidade de quem acredita.


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Brasil, 2019

Guardadas as devidas proporções, nada disso é muito diferente do que vem acontecendo por aqui. Cortes de verbas na educação, diminuição dos espaços para a ascensão social pelos estudos, população inflamada contra universidades e universitários, contra historiadores, escritores, jornalistas, contra a arte, a ciência e a cultura, que de repente passaram a ser consideradas armas ideológicas – como se os atos dos governos não fossem totalmente ideológicos ou como se só a ideologia deles fosse correta.

Na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, fiscais da prefeitura tentaram fazer uma varredura à paisana em busca de livros considerados “impróprios” depois que o prefeito determinou que exemplares de uma história em quadrinhos fossem recolhidos por terem a imagem de um beijo entre dois homens.

Só este ano, livros com temas ligados aos direitos humanos foram rasgados na Universidade de Brasília, uma escola da Zona Sul do Rio tirou de sua lista o livro “Meninos sem pátria”, que fala sobre crianças exiladas com os pais durante o período militar; um livro didático em São Paulo foi tirado de circulação por abordar a diversidade sexual em conteúdo voltado para adolescentes; um general do governo afirmou que iria eliminar livros que não tivessem “a verdade sobre 64”, obviamente sobre o ponto de vista dele…

E não é a primeira vez que algo do tipo acontece por aqui. Em novembro de 1937, no Estado Novo, em Salvador, na Bahia, quase dois mil livros foram apreendidos por uma comissão de buscas nomeada pelo exército e queimados por serem “propaganda do credo vermelho”. A partir de 1964, na Ditadura Militar, também houve um histórico forte de censura e repressão a livros, com batidas policiais, apreensões, confiscos e coerção física, mas sem nenhum critério definido.

E a gente não aprende. A gente vê o futuro repetir o passado, esse museu de grandes novidades que Cazuza já tinha cantado. O tempo não para! Quando menos a gente esperar, pode já ser tarde.

Como disse Cora Ronai no Jornal O Globo, esta não é uma luta entre pontos de vista políticos e sim de quem da valor à liberdade de expressão. Ou, como disse o jornalista Fernando Brito, do Tijolaço, “Ainda não chegamos lá, mas a escalada é apavorante”.

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