Enquanto me esforço para tentar digitar alguma coisa, quase que sem perceber levo a mão à boca – hábito péssimo de morder os cantinhos, faço isso desde criança e mesmo depois de adulta não parei. É ridículo, eu sei.
Olhando para a tela do computador, que continua em branco, me lembro imediatamente do corona vírus, assunto falado por 11 em cada 10 pessoas, e recolho a mão. Pelo menos estão limpas, penso. Ainda assim, levar à boca é feio. Muito. E, independente de epidemia, não é exatamente uma coisa saudável. Tenho de parar. Deve fazer pra mais de 20 anos que me prometo isso. Mas agora tem, de novo!, um vírus à solta por aí e talvez seja um bom momento.
Ou talvez seja melhor não pensar nisso pra não pirar. Até porque eu preciso escrever um texto. Mas aí me pego lembrando de outras situações recentes que me deixaram (me deixam!) pirada ou, pelo menos, preocupada. Respiro fundo.
É pau, é pedra, é o fim do caminho. É barragem que rompe, é helicóptero que cai, é fogo que se alastra, é chuva que destrói, é gente conhecida que morre de forma trágica, é gente desconhecida que morre por incompetência do poder público, é governo desgovernando, é dólar que sobe, é poder de consumo que cai, é desemprego em alta, é cultura sendo atacada, é arte sendo desvalorizada, é comida mais cara, é mais gente morando na rua, é pandemia. Isso sem falar nas questões pessoais… É aqui, é aí, é no Brasil, é no mundo, é tudo junto e é a gente no meio disso tudo.
Mas por que eu estou escrevendo isso? Porque eu não consigo escrever sobre outras coisa. Dicas de viagem. Lugares para conhecer. Estímulos para viajar sozinha. Destinos preferidos.
De onde tirar inspiração para publicar alguma coisa quando o mundo está desmoronando? Qual o sentido de ficar falando de viagem quando há tanto mais acontecendo? Como divulgar links no Facebook, como seguir com lindas fotos e stories no Instagram, se do outro lado da tela é tristeza ou medo ou algo do tipo? No rosto um desgosto, um pouco sozinho.
Por outro lado, o blog é um trabalho e ele precisa seguir, independente do que esteja rolando em outras áreas. Penso até como consumidora de conteúdo também, é legal ler coisas diversas e não ficar só nos noticiários – consumir assuntos leves faz bem! Não é futilidade nem alienação, é que há vários assuntos e aspectos. A questão é como se faz. Responsabilidade, bom senso.
Porque, mesmo sendo parte do trabalho, é constrangedor às vezes – eu vejo uns conteúdos que me matam de vergonha alheia. Gente fingindo que nada acontece já que, afinal, só fala de viagem (como se viagem não abrangesse tanto mais ou como se outros fatos não tivessem a ver com isso). Ou até mostrando as belezas das cidades da Itália, por exemplo, sendo que o país está em quarentena. É o cúmulo da falta de noção ou está tentando pegar carona no bonde do engajamento, já que falar desses lugares, ainda que por outros motivos, está em alta?
Venho pensando em tudo isso há um tempão. Esse texto mesmo eu comecei a rascunhar faz mais de um ano, a partir de um textinho que havia postado nos stories na ocasião do falecimento do Boechat em fevereiro/2019. Abalada, eu não conseguia pensar em nenhum conteúdo. E, mesmo que tivesse pensado, não era o momento. Não fazia sentido para mim.
Depois teve a Fernanda Young. Teve o Gugu. Teve tanto! O show tem que continuar, mas às vezes não tem. É o mistério profundo, é o queira ou não queira. Respeitar os fatos, se respeitar.
Agora então, nem é só pelo que eu sinto, mas porque realmente não faz sentido incentivar as pessoas a viajarem. Isso é contrário a todas as orientações. Mesmo dentro do Brasil, onde aparentemente tudo ainda está sob controle (foco no “aparentemente”, pq né?, tudo muda muito rápido!), o ideal é evitar viagens, aeroportos, até mesmo rodoviárias, ônibus. Ainda que seja de carro, melhor não ir.
O momento é de se precaver, não só para não adoecer, mas porque somos, todos, também, vetores de transmissão. Para algumas pessoas pode ser extremamente perigoso. É hora de pensar e, principalmente, agir coletivamente! Qualquer coisa diferente disso chega a ser irresponsável.
E eu fico aqui, como muitos, nesse misto entre minhas angústias que fazem com que eu não consiga escrever e a sensação estranha de eventualmente conseguir e não ser o timing.
Não há respostas! Não há uma fórmula, um jeito certo ou errado. O que há é álcool gel, ansiolítico, áudio de meditação guiada, terapia, consciência. E a eterna promessa de vida no meu coração.
Para ler ouvindo:
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Perfeito esse texto Mariana, disse tudo. Nem mais nem menos. Assino embaixo.
Muito oportuno vc falar disso. Eu sempre penso nessa dualidade,sobre o que estamos fazendo enquanto o mundo gira, pessoas sofrem, tragédias acontecem. Na real , já deixei de seguir pessoas que parecem estar numa bolha, tipo “olha minha sala”, enquanto a cidade tá toda inundada. Mas acredito, sinceramente, que arte, cultura, beleza e bom humor são um alento em momentos difíceis. O importante é estar em sintonia com a vida real.
Admiro você e seu trabalho! Um grande abraço!
Texto muito representativo. Também não ando conseguindo gerar conteúdo de viagens – mas acho que temos que tentar, até para não pirar!
Que lindeza, Mari. Um sopro de vida nesse turbilhão. A gente cansa, mas precisa se dar voz. Obrigada por tanto.
Mari, esses pensamentos tomam conta de mim em vários momentos. Texto excelente. Você, como sempre,muito sensivel.