“Senti que seria capaz de fazer tudo que eu quisesse” – por Monique Ramos

“Antes de falar sobre a minha experiência viajando sozinha eu preciso contar um pouco sobre a minha história e como eu comecei a viajar. Acredito que, como grande parte das pessoas, eu sempre fui muito medrosa e sentia muito receio de sair da minha zona de conforto. Minha vida era mesmice e eu achava isso SUPERLEGAL, confortável, como falei anteriormente. Eu realmente não fazia ideia do que “o outro lado” poderia me oferecer.

Mas vamos à história que transformou a minha vida e a minha forma de olhar o mundo. Há mais ou menos 5 ou 6 anos eu estava envolvida com um cara por quem eu estava apaixonada. Quando eu menos esperei, esse cara de quem eu gostava tanto rompeu comigo. Foi um ano difícil, porque eu estava enfrentando problemas familiares e, além de tudo, tinha que conviver com o meu ex, que nesse momento já estava em outro relacionamento. Eu de fato passei por momentos terríveis, de tristeza profunda e solidão.

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Neste mesmo ano, em que eu estava no fundo do poço, eu conheci uma argentina. Acredito que foi o meu primeiro contato REAL com outra cultura. Eu nunca tinha tido grandes experiências viajando, nunca tinha saído do país, nunca tinha viajado de avião. Enfim, viajar pra mim se resumia em descer a serra do litoral paulista e ver os fogos de artifício no ano novo.

viajando-sozinha-monique-1Essa amiga argentina me abriu os olhos para muita coisa. Em pouquíssimo tempo nos tornamos muito próximas e compartilhamos muito de nossas vidas. Ela é do tipo mochileira desencanada, já tinha ido pra muitos lugares sozinha e tinha passado por muitos perrengues. O que naquele momento, para mim, parecia inviável, apesar de ter uma grande admiração por aquela personalidade destemida.

Passaram-se alguns meses e essa minha amiga me convidou para passar uns dias na sua casa em Buenos Aires e, de quebra, fazer um mochilão pelo norte da Argentina. Ela planejou tudo, claro. E eu fui. Teve até despedida dos meus amigos. Acho que, de alguma forma, todos sabiam que eu não voltaria a mesma daquela viagem.

Quando o avião pousou em Buenos Aires eu chorei. Chorei de alívio, por estar longe de tudo aquilo que me sufocou naquele ano.

Reencontrei a minha amiga e foi incrível! Os desafios da viagem começaram quando ela disse que eu teria que fazer alguns programas sozinha, porque ela não poderia estar comigo todo o tempo. Eu me senti completamente desesperada. Estava morrendo de medo de explorar aquela cidade, eu não falava nem portunhol! rs

Ela foi dura comigo, falou que eu tinha que fazer isso, enfrentar o que me amedrontava. Na hora fiquei até triste, me senti um pouco “abandonada”. Mal sabia eu que ela estava me oferecendo o passaporte para minha autoconfiança.
Pegamos o trem juntas e nos separamos em uma estação de metrô. Ela me passou as coordenadas de como eu poderia chegar na Casa Rosada e me falou onde eu poderia ir em outras estações.

Não esqueço nunca do momento em que nos separamos, fiquei com tanto frio na barriga, mas de uma forma negativa. Eu achava que não estava preparada para aquela condição. Hoje vejo o tamanho da besteira, me sinto boba por ter me sentido daquele jeito. Mas foi importante pra minha transformação.

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Em Buenos Aires no primeiro e no último dia da viagem

Respirei fundo, levantei a cabeça e fingi que aquilo tudo era muito natural pra mim. Aos poucos fui percebendo que não havia razão para sentir medo e que eu era SIM SENHORA MUITO CAPAZ de fazer aquilo. O que estava me amedrontando aos poucos se tornou um desafio gostoso de superar. É a mesma sensação até hoje, sempre que desembarco em algum lugar que não conheço, sozinha. No fim do dia eu havia feito tudo que precisava fazer e estava me sentindo PODEROSÍSSIMA. rs

Depois viajamos pro norte da Argentina, começamos por um trajeto de ônibus de 20h até Salta. Embarcamos no final da tarde, o que foi ótimo, porque passamos a noite viajando. Não me lembro o nome da empresa, mas eu acredito que não tenham muitas. A viagem é supertranquila, a estrada é linda de ver e o ônibus oferece uma excelente estrutura. Não tem perrengue.

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Na estrada…

Esse tempo do trajeto foi muito importante para eu absorver um pouco do que estava ocorrendo em mim. Eu entrei em contato com um “eu” muito profundo.

Em Salta ficamos na casa de um amigo. Ele costuma receber pessoas pelo Couchsurfing e foi assim que ele e a minha amiga se conheceram uns anos antes. A recepção foi ótima, pude aprender muito sobre a cultura local convivendo com ele e com a sua família. Ele é um excelente guia (não oficial) e, recentemente, foi até homenageado por uma marca de cerveja local pelo hábito hospitaleiro!

É uma cidade pequena com muito turismo. A comida de rua é uma delícia e assim como em outros lugares do norte que conhecemos, se valoriza muito a cultura indígena. Andamos muito à noite, bebemos vinho na praça e não me pareceu nada perigoso. Tudo muito tranquilo.

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Recebidas por um amigo em Salta

Depois partimos juntos para Tilcara, um povoado próximo de Salta. Um lugar simples, onde se encontram muitos mochileiros voltando ou a caminho da Bolívia.

Lá eu tive minha primeira experiência infeliz por ser mulher e estar viajando na companhia de outra mulher. Nosso amigo encontrou a namorada e se hospedou em um hostel diferente do nosso. Nós ficamos sozinhas num hostel mais simples, porém com muitas pessoas legais hospedadas, fizemos grandes amigos.

O que tornou parte da experiência negativa foi o homem que cuidava do hostel (não sei se era dono ou gerente). Logo quando chegamos, conversamos com todos que estavam reunidos no pátio principal, inclusive ele. Eu conversei com ele como conversei com outras pessoas ali, mas, por algum motivo, ele achou que eu estava interessada.

No primeiro dia ele ficou me “perseguindo” e até me colocou em uma situação constrangedora. Foi quando EU, MAIS SEGURA E DONA DE MIM, dei um “chega pra lá” nele e pedi que não me perturbasse mais. Por sorte, ele entendeu o recado e nunca mais olhou na minha cara. Preferi assim.

A passagem por Tilcara foi maravilhosa, essencial pra eu me tornar a pessoa que sou hoje. A simplicidade daquele lugar fez com que eu notasse partes em mim que eu nem sabia que existiam e que na verdade deveriam governar todo o meu “eu”. Eu me olhava no espelho e via a imagem de outra pessoa. Eu senti que seria capaz de fazer tudo que eu quisesse naquele momento, que nenhum medo ou falta de confiança poderiam me impedir.

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Com a amiga em Tilcara

Em Tilcara visitamos uma queda d’água chamada Garganta del Diablo. Para chegar lá é preciso enfrentar uma extensa trilha no deserto. O sol e o calor não colaboram muito, mas o caminho é lindo e vale muito a pena. (Esqueci de passar protetor solar e tive insolação, esse ítem é muito importante durante todo trajeto, assim como se hidratar o tempo todo).

Outro passeio que fizemos foi a visita às ruínas do povo pré-hispânico que habitavam a Argentina relativamente no mesmo tempo em que os Incas habitavam o Peru. Gostei muito e a energia do lugar é impressionante, o acesso é fácil e não me lembro de ser caro. Assim como nada no norte.

A última parada foi Purmamarca, também um pequeno povoado. Lá estávamos na companhia de dois amigos que fizemos no hostel em Tilcara, dois irmãos de Córdoba que também enfrentaram muitos desafios e que estavam se presenteando com um mochilão pela América Latina. Um deles passou um ano sem poder caminhar e, durante o período da viagem, fazia um mês que havia voltado a andar. Formamos laços muito intensos e os guardo com muito carinho no meu coração.

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Com os irmãos de Córdoba

Quando voltamos para Buenos Aires eu era outra. Uma pessoa totalmente diferente daquela que pousou de avião. Essa viagem do começo ao fim serviu pra que eu pudesse realizar as melhores coisas na minha vida. Pra que eu tivesse coragem, autoconfiança e mais amor por mim mesma e pelo próximo.

Eu agradeço imensamente à Luciana, minha amiga argentina que me possibilitou essa e outras experiências que vieram depois e só foram possíveis porque eu saí sozinha naquele dia.”

Texto: Monique Ramos
Fotos: Arquivo Pessoal

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