O mundo é grande demais e tem gente demais para ficar esperando companhia para viajar. Como técnica em turismo, historiadora da arte e estudante de geociências, todos os cantos do mundo me convidam para conhecê-los. Os aspectos culturais e naturais do mundo todo são objetos da minha curiosidade e estudo. Dificilmente algum tipo de passeio não me interessa e não é tão fácil encontrar companhias que topem literalmente qualquer coisa (tenho algumas parcerias de viagem assim, mas que não necessariamente têm disponibilidade ao mesmo tempo que eu). Por isso, não dá para esperar. É pegar a estrada e ver o que e quem o mundo tem a oferecer ou ver a vida passar.
Sempre viajei com meus pais pelo Brasil. Todas as férias da minha vida foram marcadas por alguma viagem. Quando eu tinha 12 anos, lembro de estudar sobre os povos pré-colombianos na aula de história e de o meu professor falar sobre as ruínas de Machu Picchu e sobre elas serem visitadas até hoje por turistas. Nesse dia, o Google me informou sobre a existência de mochileiros e eu decidi que seria uma. E que, um dia, iria a Machu Picchu.
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Foi toda uma adolescência perturbando os meus pais para me mandarem para um intercâmbio. Nunca tinha saído do Brasil. Aos 17 anos passei um mês na Austrália em um curso de inglês nas férias. Já era formada em inglês há dois anos. O intercâmbio foi uma desculpa para viajar. Minha tia e minha prima moram em Melbourne, mas eu fui para Sydney. Não conhecia ninguém lá nem ninguém que foi comigo no mesmo programa da mesma agência, então considero que, apesar de todas as facilidades proporcionadas pela agência, foi minha primeira viagem sozinha. Um mês lá valeu por alguns anos de histórias. Voltei tendo certeza de que iria novamente para lá e que, começando pelo outro lado do mundo, o resto estava mais perto, mais fácil e mais barato.
Aos 19 anos, finalmente, saiu meu mochilão para o Peru, incluindo também a Bolívia. Não fui sozinha dessa vez. Oito amigos me acompanharam. Uma viagem totalmente planejada por mim. Sem agências, sem excursões. Tudo que aprendi no curso técnico em turismo foi muito útil. Essa viagem me deu segurança para as viagens seguintes. Sozinha. Viajar em grupo também foi ótimo. Ficamos conhecidos por onde passamos como Los Nueve – claro! Quem viaja em um grupo desse tamanho??? Mas tem viagens que simplesmente não comportam tanta gente e outras que foram feitas para serem solo.
Minha primeira viagem sozinha de verdade foi para os Estados Unidos. Visitei amigos em várias cidades e encontrei uma amiga para passar os últimos dez dias na Califórnia, mas minha primeira semana em Nova York foi sozinha. Pelo menos minha primeira tarde e noite. No dia seguinte já havíamos formado um grupo de brasileiros. Nos conhecemos no hostel e passei todos os meus cinco dias seguintes com eles.
Sobre hostels: não existe a possibilidade de eu me hospedar em outro tipo de lugar por opção própria. Hostels são certamente os lugares de melhor circulação de informação turística e de criação de amizades e parcerias de viagem. Alguns amigos levo para a vida. Outros, chego a encontrar novamente em outros lugares. Outros, acompanho pelo Facebook, trocamos ideias sobre os lugares que conhecemos. É uma relação muito legal! Já conheci pessoas que lembrava de vista de outra viagem, mas não tínhamos nos apresentado antes, pessoas que têm amigos em comum comigo, outras que moravam em cidades para onde eu iria em seguida, outras que também estavam sozinhas e seguimos viagem juntas. Nessa viagem a Nova York conheci até duas outras pessoas que também tinham acabado de se conhecer e, hoje, são casados.
Lembro de ter conversado com a minha prima, quando fomos à Bolívia, sobre como conhecer pessoas aleatórias nas viagens. Eu disse a ela que fico prestando atenção nas conversas em volta. Se as pessoas não falarem português e eu me identificar com alguma coisa que estão falando, me meto na conversa mesmo. Se falarem português, a língua e nacionalidade são o assunto em comum. Me vejo usando essa estratégia até hoje. Minha prima aprendeu muito bem. No primeiro dia na Bolívia, ela conseguiu conhecer três brasileiros no meio da rua e levá-los para sair com a gente.
Minha viagem seguinte, em 2014, foi o ponto mais alto da minha vida mochileira até agora: três meses sozinha pelo sudeste da Ásia e Austrália – eu disse que ia voltar! Cada vez que viajo conheço alguém fazendo uma aventura maior. Nessa viagem conheci tantas pessoas viajando sozinhas por meses ou até mais de um ano. Sem destino certo, indo aonde surgisse uma proposta legal e uma passagem mais barata. Eu tinha meu roteiro. Flexível, mas tinha um caminho a percorrer. Tailândia, Camboja, Singapura, Bali, Austrália e Tailândia de novo.
Todo mundo me pergunta qual lugar eu mais gostei, onde era mais bonito. Eu não tenho dúvidas quando eu digo que o ponto alto de um mochilão e, principalmente, de uma viagem sozinha são as pessoas que eu conheço pelo caminho. Não tem lugar melhor. Tem uma coleção de histórias de vida e experiências proporcionadas por um monte de gente do mundo todo. Essa viagem me trouxe uma boa lista de pessoas que eu quero muito encontrar de novo pelo mundo. E, claro, ao longo de três meses, muitas vezes eu só quis descobrir cantinhos quietos para ficar realmente sozinha e ler um livro.
Dessa infinidade de pessoas que conheço pelo caminho, concluo que dificilmente viajo sozinha. Eu vou sozinha, mas sempre tenho as melhores companhias pelo caminho. Isso me leva às principais perguntas que me fazem: “Você não tem medo?” e “Não é perigoso?” Claro que tenho e claro que é. E não, não é menos perigoso em países mais desenvolvidos. Tenho várias histórias de perrengues, seja por ser mulher viajando sozinha, seja por qualquer outro motivo. Rola assédio? Sim, mas no Brasil também. Precisa tomar cuidado? Claro, aqui na minha rua também preciso. É perigoso andar sozinha da minha casa até o ponto de ônibus. Tenho medo de voltar sozinha das festas que vou com meus amigos na minha cidade. Não deixo de viver na minha cidade por causa disso. O resto do mundo não é pior. E, além disso, normalmente não estou sozinha.
Minha viagem à Itália, a última que fiz para fora do Brasil, foi realmente sozinha. Mas não consigo imaginar quem eu poderia conhecer pelo caminho que iria querer fazer a maratona de museus que eu fiz nessa viagem. Fiquei sozinha, mas acompanhada por milhões de pensamentos e novos projetos. Mas esse foi um caso pontual.
Meu grande ponto com relação a viajar sozinha é: o mundo é muito interessante e cheio de gente nova para conhecer. E essas pessoas vão se tornar seus amigos de infância em minutos e você estiver aberta a isso. O mundo tem mais de sete bilhões de habitantes: você não está sozinha.
Texto: Lais Daflon
Fotos: Arquivo Pessoal
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