Minhocão, em São Paulo: antes, durante e depois

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A arte nos espaços urbanos é, também, uma ferramenta de transformação social, pois influencia diretamente na forma como as pessoas vivenciam as cidades. São como um convite a caminhar pelas ruas. E um exemplo disso é o Minhocão, em São Paulo.

Inaugurado em em 25 de janeiro de 1971 com o nome de Elevado Presidente Costa e Silva, era uma forma de tentar solucionar os problemas de deslocamento e de dar vazão ao número cada vez maior de carros que circulavam pela cidade, com o objetivo de melhorar os congestionamentos especialmente na região central.

Mas, se por muito tempo era a velocidade dos automóveis que ditava o ritmo da cidade, hoje as cidades caminháveis – ou, pelo menos, a importância dos espaços caminháveis mesmo em grandes cidade – estão sendo cada vez mais discutidas.

E a história do Minhocão passa por diferentes momentos e cenários ao longo dos anos, de quando os carros predominavam, sem que e outras formas de deslocamento fossem consideradas importantes, até chegar ao atual cenário em que há a possibilidade de ser realmente transformado em um parque.

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Antes

O Minhocão foi construído para ligar as zonas leste e oeste de São Paulo. E logo ganhou o apelido devido à sua forma alongada. São quase 3 km de extensão ao longo dos bairros da República, Santa Cecília e Barra Funda. Foi considerada a maior obra viária urbana da América Latina na época.

Mas, além de não conseguir diminuir os grandes congestionamentos, a construção do elevado acabou levando a uma deterioração das áreas próximas, que, até então, eram habitadas por moradores de classe média.

Incomodados com o barulho intenso e com a poluição devido ao fluxo de veículos, muitos foram se mudando para outras regiões. E os imóveis nos arredores, vários com estilos arquitetônicos europeus, se desvalorizaram.

Os valores baratos atraíram moradores de classes mais baixas que moravam em bairros mais distantes e viram uma oportunidade de estarem mais perto do centro. Alguns prédios vazios passaram a ser ocupados por pessoas que estavam vivendo nas ruas. E, com o tempo, sem circulação de pedestres e sem investimentos do poder público, foi se tornando uma região perigosa.

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Lukaaz, CC BY 3.0 <https://creativecommons.org/licenses/by/3.0>, via Wikimedia Commons

Durante

Em 1989 a prefeitura determinou que o Minhocão fosse fechado para carros aos domingos e a região começou a ser um local de lazer, com pedestres aproveitando o espaço para caminhadas. Em 2018, o fechamento passou a acontecer também aos sábados.

Nesse meio tempo, um projeto de lei sancionado pelo então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, em 2016, mudou o nome do elevado, que deixou de ser Artur da Costa e Silva (presidente da ditadura militar) e foi substituído por João Goulart (presidente deposto pelos militares), que é o nome atual.

Hoje o Minhocão tem dupla função. Ainda é um viaduto pelo qual passam milhares de carros e, à noite e nos fins de semana, é um espaço aberto para pedestres e ciclistas. Um local cheio de histórias.

Em 2021, durante a pandemia, as laterais das construções ao longo do trajeto do Minhocão começaram a ganhar algumas artes. E a área cinza e decadente foi se tornando mais colorida e com mais vida, fazendo com que os moradores da cidade vissem a região com outros olhos.

As grandes obras de arte urbana, algumas delas assinadas por artistas conhecidos, passaram a atrair mais gente. O elevado se tornou um espaço de movimentos artísticos com uma pegada de resistência.

Na parte de cima, o Minhocão ganhou, também, bancos, tablados e arquibancadas, reforçando a função de espaço de lazer. Recentemente ganhou ainda algumas espreguiçadeiras, tabuleiros de xadrez, tapetes de yoga, lixeiras, banheiros químicos, ambulância para atendimentos emergenciais e a presença da guarda municipal.

Até mesmo a parte de baixo, nas colunas de sustentação, ganharam pinturas – embora continuem servindo de abrigo para pessoas em situação de rua que ainda precisam de um plano de ação da Prefeitura que ofereça vagas de acolhimento de qualidade para atender às necessidades dessa população.

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Depois

O futuro é incerto. Desde que começou a ficar aberto para pedestres no período noturno e depois nos fins de semana, o destino do Minhocão vem sendo objeto de discussão. E há alguns anos existe a ideia de que seja oficialmente transformado em um parque nos moldes do High Line de Nova York.

Em 2014 o Plano Diretor da Cidade de São Paulo determinou a desativação do Minhocão que poderia ser demolido ou transformado em um parque suspenso, já que é uma das poucas áreas abertas para lazer na região central. Pesquisas e estudos de órgãos oficiais que analisaram o trânsito e já comprovaram que não é preciso mais nada para que o parque seja criado. Apenas fechar para carros.

Mas a lei municipal promulgada em 2018 prevendo a criação do Parque do Minhocão foi suspensa em 2019. A atual gestão parece não ter interesse e o prefeito chegou a propor a criação de um túnel para que só então o parque fosse viabilizado. Além disso, há um descaso com a região central, onde a violência é crescente.

O Minhocão é um cartão postal, um lugar cheio de espaços instagramáveis com suas galerias de arte a céu aberto que atraem não só os paulistanos, mas também muitos turistas que já incluem o local no roteiro pela cidade. As fotos que ilustram esse texto tirei em novembro do ano passado, em uma manhã ensolarada de domingo, quando fiz uma caminhada por lá.

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Qual o futuro do Minhocão?

Entre a população não há consenso. Segundo uma pesquisa Datafolha realizada em 2020, mais da metade dos moradores da cidade entrevistados (54%) é favorável a deixar tudo como está. Uma parte menor (30%) prefere a opção de um parque. E há ainda uma minoria (7%) que defende a demolição.

Já entre aqueles que passam ou já passaram de carro pelo Elevado, a porcentagem dos que querem a manutenção dos moldes atuais sobe (64%) e a dos que gostariam de um parque cai (26%).

E os moradores da região defendem majoritariamente a criação do parque. Em entrevista ao site canadense The Bent Away, o presidente da Associação Parque Minhocão, Felipe Morozini, que é bacharel em Direito, fotógrafo e artista plástico, falou sobre os desafios.

Ele destacou o fato de que o local já funciona como parque nos finais de semana. E que, por isso, acha que a melhor opção é pegar o que já existe e transformar em um parque permanente e em tempo integral.

Outro ponto citado é que os lugares ganham novos significados a partir das pessoas que o frequentam, sem que haja necessariamente uma categorização do governo como “espaço público”. Foi o que aconteceu com o Minhocão.

Morozini comentou, ainda, que 20 anos atrás, quando começou a campanha para que o local virasse parque, ninguém nos meios de comunicação ou no governo falava sobre o conceito de “espaço público”. Isso mostra também a importância de que assuntos relacionados estejam cada vez mais em pauta. Não só na mídia, mas em coletivos e entre as pessoas que circulam pelas cidades.

É dele também a iniciativa da exposição “Eu sabia que você existia”, realizada em parceria com a ONG SP Invisível, que espalhou frases pelos edifícios, além de fazer projeções digitais para dar visibilidade às pessoas em situação de rua debaixo do elevado e arrecadar fundos para o trabalho da ONG.

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Como chegar ao Minhocão

É claro que, como em qualquer região central de qualquer grande cidade do Brasil (e do mundo), andar pelo Minhocão e arredores exige certos cuidados e muita atenção. Principalmente com quem passa de bicicleta, pois há muitos furtos de celulares e carteiras realizados dessa forma. No geral, há trechos que aparentam ser mais seguros, outros menos. Mas há policiamento, pelo menos no dia em que fui.

Eu estava hospedada em um apartamento na Praça Roosevelt, bem perto do início do Minhocão e dava até para ver janela. Chegar até lá não foi difícil. Mas há também outras opções. As três principais “entradas” são:

  • – Praça Roosevelt (Rua da Consolação), perto da estação de metrô Mackenzie-Higienópolis, é onde o Minhocão começa (ou termina).
  • – Praça Marechal Deodoro em frente à estação Marechal Deodoro, com acesso por rampa ou escada.
  • – Largo do Arouche, que fica mais ou menos no meio do elevado e tem acesso por escada na lateral.

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Enquanto o futuro não é definido, o Minhocão segue funcionando como espaço para pedestres e ciclistas de segunda a sexta-feira de 20h às 22h e nos fins de semana e feriados de 7h às 22h. É um espaço agradável que vale conhecer!

 

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