A vida não é esse Instagram todo

vida-real-instagram

Não, esse não é mais um texto para falar que quando a gente se diverte não sobra tempo para tirar foto. Nem um manifesto para que a gente use menos o celular ou tire menos fotos ou poste menos coisas. Quem sou eu pra dizer isso? Esse texto é só para pensar um pouco sobre como tudo isso vem mudando nossa forma de ver (e clicar) o mundo.

Acho uma bobagem aquelas publicações que dizem que “a noite/festa/encontrinho foi tão legal que ninguém se lembrou de pegar o celular para tirar foto”. Eu acho que bons momentos devem ser registrados e, por que não?, postados.

Sim, já aconteceu de ser ótimo e me esquecer de fotografar, mas não acho que isso seja um comportamento superior. Pelo contrário. Adoraria ter foto de tudo, é bom demais ver e reviver… E as redes sociais, especialmente o Instagram, foi mesmo criado para compartilhar bons momentos. A gente pode até vez por outra postar algo não muito legal, uma ou outra indignação, mas o objetivo é deixar ali as fotos bonitas, colecionar lembranças felizes. E tudo certo! Quem não gosta?

O problema é que tudo isso foi mudando a nossa forma de ver a fotografia e, principalmente, a nossa forma de viver! No universo das viagens então, mais ainda. A foto não é mais um registro do momento. O momento é que é pensado para que a foto seja feita.

Acompanhe o blog também no Facebook!

O mundo instagramável

A calda cai sobre a bola de chocolate que lentamente se derrete, compondo a sobremesa. O macarrão feito dentro do enorme queijo, que também costuma aparecer bastante por aí sendo derretido. O boomerang na hora do brinde. A ponta da saia voando milimetricamente. O filtro que deixa o cenário com tons mais bonitos. A roupa escolhida para ornar com o local. O aplicativo que orna as cores para as imagens ficar todas combinadinhas. São só alguns exemplos clássicos de como o fator “instagramável” tomou conta de tudo.

O mundo instagramável passou a ser mais importante que o mundo real e a gente está tão inserido nisso e foi tudo de forma tão natural que, muitas vezes, nem percebemos.

Acho que quando são fotos de lugares é mais tranquilo do que quando são registros de pessoas ou comportamentos. Porque aí não tem como distinguir o que é de verdade ou o que está camuflado em um clique pensado para as redes. E o problema, a meu ver, está exatamente no mostrar vidas supostamente reais. Pior é que, mesmo sabendo, a gente às vezes cai, não tem jeito.

Instagram x Vida Real

Mas pense comigo! Quantos stories seriam necessários para deduzir que a pessoa teve um dia incrível? 50? 100? Isso não passa de 25 minutos – em um dia de 24 horas. É um mínimo fragmento. Para quem produz conteúdo então, no meu caso específico de conteúdo de viagem, é mais complexo ainda. É preciso postar algo (quase) todo dia, mas como não transformar isso numa frustração para o leitor/seguidor que tende a pensar que a pessoa está viajando ou saindo todos os dias, que aquilo é um retrato da vida? Eu vira e mexe até explico, mas mesmo assim. Até porque, para muita gente, viajar não é mais só conhecer um lugar. É, principalmente, mostrar que conheceu.

Isso sem falar na busca da selfie perfeita! Há dados que mostram que o número de acidentes com mortes de pessoas que estavam tentando fazer fotos é crescente. Quedas de penhascos, acidentes em transportes, afogamento são alguns dos mais comuns. Pessoas que extrapolam qualquer limite de segurança para conseguir o clique que vai render muitos likes.

Leia também:
Não há nada de errado em não viajar - e isso não devia ser motivo de vergonha

Claro que é completamente diferente querer a sobremesa instagramável do que querer a selfie na beira do penhasco. Não tem como comparar. Mas, no fim das contas, são resultado de um mesmo tipo de comportamento.

No podcast “Além do Olhar”, feito por mim e pela Amanda, do blog As viagens de Trintim, falamos sobre isso em um dos episódios. Nossa proposta é sempre abordar esse lado B do mundo das viagens, coisas que a maioria não costuma falar. Ouça aqui no Spotify ou procure “Além do Olhar” na sua plataforma de áudio preferida. 

É um assunto que rende, mas acho que tudo se resume a ter cuidado com as fotos perfeitas! Cuidado com as vidas perfeitas. Cuidado com os sorrisos constantes. Cuidados com as muitas viagens. Cuidado com quem largou tudo para ser feliz. Cuidado com as fórmulas mágicas, sejam para emagrecer ou ganhar dinheiro ou viajar mais. Cuidado com a oferta de vida dos sonhos. Cuidado porque isso desencadeia em nós algumas sensações talvez até imperceptíveis, mas que nos fazem mal.

Quando vi, nem lembro onde ou como, a frase que escolhi como título para este texto, muitas coisas me vieram à cabeça. Mas o que quero colocar é basicamente que (1) a gente não tem que acreditar em tudo o que vê nas redes e (2) a gente não tem que entrar nesse circulo louco de querer mostrar algo que a gente não é ou de querer sempre ter algo diferente e melhor. A vida real não é esse Instagram todo!

Para ler ouvindo:

Conheça meu novo livro de crônicas "Nem louca, nem coitadinha, nem tão corajosa assim" e entre em contato por email (contato@marianaviaja.com) ou instagram (@marianaviaja) para adquirir o seu.