“Por toda minha vida tive o hábito de fazer planos (a curto e longo prazo). Quando decidi que viajaria sozinha não foi diferente. Embora eu devesse sempre tomar muitas decisões sem apoio da família, tive coragem para planejar uma viagem que incluiria trabalho voluntário que duraria aproximadamente três meses (eu iria, portanto, estender um pouco minhas férias de verão).
Me vejo como uma pessoa aflita, talvez um pouco precoce. Sempre ansiei trabalhar e adquirir o que desejasse sem contar com os outros. Assim, com quinze anos comecei a trabalhar formalmente a fim de, desde cedo, programar a viagem dos meus sonhos. Aos dezoito anos me tornei funcionária pública, pois queria que minhas férias tivessem um período fixo para que eu pudesse me preparar. Logo, aos vinte e um anos, eu já havia economizado o suficiente para definir o destino e as atividades da minha grande aventura solo.
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Eu viajara sozinha muitas outras vezes antes dessa, para cidades próximas à minha e outros estados, mas jamais para o outro lado do planeta. Tive medo, mas sabia que minha cidade perfeita não era a que a maioria das mulheres que eu conhecia optaria: eu iria para Budapeste, na Hungria, sem conhecer ninguém e sem a permissão dos meus pais. Havia arranjado uma host family e trabalharia em uma escola de turno integral ensinando inglês cinco dias por semana, e aos fins de semana estaria livre para conhecer alguns lugares que tinha em mente.
E fui! Agora com mais cara que coragem. Na escala, partindo de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, fiquei dois dias em Amsterdã. Era tanta emoção e receio de não saber me virar bem que mal consegui conhecer um ponto turístico (tinha ido disposta a passar a tarde no Van Gogh Museum, mas estava em obra).
Ao chegar em Budapeste não ouvi palavras familiares. As pessoas com mais de trinta anos dificilmente falam inglês, então minha interação se limitou a jovens da minha faixa etária (tenho 24). Minha família postiça de lá, ao me receber, me apresentou uma realidade completamente diferente da que eu esperava. Eu não tinha quarto (dormiria na sala, não tive um armário para roupas e pertences, deixando tudo sempre na mala) e eles fumavam muito. Frequentemente passei mal, tive pesadelos, dificuldade de locomoção, etc, mas aguentei firme (isto não é nada de se admirar).
Meu foco era aproveitar ao máximo meus noventa dias fora de casa e o fiz. Aperfeiçoei meu inglês, porque, embora fluente, quando temos que nos comunicar em uma segunda língua todos os dias, a gente cai na real. Em minha primeira semana, por exemplo, acabei ficando sem dinheiro (pois meu cartão pré-pago simplesmente não era aceito em nenhuma loja ou caixa eletrônico) e precisei ir a um banco húngaro parceiro do meu no Brasil para reclamar. Obviamente isto levou horas, pois eu fiquei tão nervosa com a situação que eu não conseguia me fazer entender!
Com meu problema solucionado, eu realmente só tinha motivos para comemorar. Eu planejava minhas aulas com mais facilidade a cada dia, fiz amizades, meus alunos eram simplesmente fantásticos e, inclusive, conheci brasileiros. Acreditem, há brasileiros em todos os cantos desse mundo!
Fui vítima do machismo e do racismo diversas vezes. Quando saía às ruas, obviamente eu chamava atenção por não ser branca nem ter os cabelos lisos, e mesmo em companhia de outros brasileiros, no metrô, por exemplo, só eu deveria mostrar meu cartão de transporte e meu passaporte.
Nas festas, os homens, ao finalmente perceberem que eu era brasileira, comentavam entre si que eu com certeza seria “fácil” e que provavelmente por baixo das camadas de roupa de inverno eu usava “uma lingerie tão pequena quanto as brasileiras putas costumam usar”. Tive de ser forte e aprender a ignorar as idiotices do mundo.
Assim, sem me deter aos acontecimentos negativos, a cada sexta-feira eu planejava uma sub-aventura diferente. Conheci Roma, Milão, Londres, Bratislava, Viena… aliás, em Milão, conheci o cara que namoro até hoje. Em verdade, nos consideramos casados, pois moramos juntos há quase dois anos em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Ele morava aqui antes de fazer um intercâmbio na Holanda e, quando nos conhecemos melhor na Itália, prometemos que iríamos nos reencontrar quando ele pudesse retornar ao Brasil. E assim foi.
Minha estadia em Budapeste não poderia ter sido melhor, mesmo com todos os poréns citados. Me tornei autônoma e sedenta por conhecimento. Aprendi também a não comprar todos os supérfluos que a mídia me faz acreditar que preciso, pois sei que guardar o dinheiro da minha força de trabalho para conhecer o mundo e as experiências que ele proporciona vale muito mais a pena, mesmo passando trabalho.
Para quem está planejando viajar sozinha, coragem! Não vai ser fácil, vão haver bloqueios, mas não há nada mais satisfatório do que se tornar independente e crítica. Escrevam suas próprias histórias, mulheres!”
Texto: Monalisa Rodrigues Pereira
Fotos: Arquivo Pessoal
Já viajou sozinha e quer ver seu relato publicado aqui?
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