“Sou comissária de bordo há dois anos e meio. Saí do Brasil e vim morar no Qatar, pois a base da empresa que trabalho é somente no país.
A vontade de ser comissária veio de uma pequena insatisfação de não conseguir ser independente no trabalho que eu tinha. Morava com os meus pais e, aos 20 e poucos anos de vida, isso me incomodava muito. Então comecei a pensar em alternativas que fossem viáveis para uma carreira estável e que me dessem a oportunidade de sair do país – que sempre foi uma grande questão, desde criança nunca tive aquela sensação de pertencimento estando no Brasil.
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O processo foi longo e doloroso. Como o meu foco era trabalhar numa empresa internacional, comecei a pesquisar as opções e as únicas empresas que contratam e fornecem visto eram as do Oriente Médio (Emirates, Etihad e Qatar). Tentei 14 vezes o processo seletivo, que é concorridíssimo, e a cada reprovação era necessário esperar seis meses para se candidatar novamente. Costumo brincar que aquela parábola do bambu sobre resiliência é o que define meu processo.
Cheguei a participar de entrevistas com mais de 1.000 pessoas. É muita gente tentando a vaga, o que de certa forma me deixava muito insegura às vezes. Afinal, o tempo estava passando pra mim, e os candidatos super novinhos sendo contratados! Entrei com 31 anos na Qatar Airways, muito grata e feliz por enfim ter conseguido passar.
Trabalhar como comissária é uma mistura de rotina e a não-rotina. A rotina é algo que está relacionado com o que fazemos no voo, checagem de segurança do avião, dos equipamentos. Tudo tem que ser bem minucioso, porque estamos falando da segurança/ saúde de mais de 300 pessoas num espaço que nem sempre é favorável. Depois ainda vem a parte que os passageiros estão presentes e que ajudamos com os assentos, malas, etc.
E a parte sem rotina é porque cada dia eu trabalho com pessoas diferentes e vamos para lugares diferentes também. A escala varia muito, mas, no geral, tenho de oito a 10 dias de folga no mês, que podem estar espaçadas de quatro em quatro ou todas juntas. Tem dias que é exaustivo, quando o voo está bem cheio e tentamos cuidar de todos, ou quando voamos a semana toda sem folga. Às vezes nem saímos do hotel, mesmo querendo muito conhecer o lugar, mas o corpo grita: ‘descansa minha filha, estamos podres!’ (risos)
Mas eu amo a interação com as pessoas e poder a cada dia aprender algo novo de alguma cultura diferente. Além, é claro, de cada dia eu estar em um lugar. Eu jamais imaginei conhecer tanto em dois anos e meio como conheço trabalhando como comissária.
Eu sempre viajava de carro com os meus pais quando pequena, me lembro de ser uma alegria ter de fazer as malas (o que é até hoje), mas depois da minha primeira viagem internacional eu percebi que viajar faz parte de mim. Há 20 anos atrás cheguei a “morar” em Londres por quase seis meses, fazendo um intercâmbio para aprender inglês.
E não tenho dúvidas que o trabalho como comissária potencializou esse gosto pelas viagens. Cada dia de trabalho é como se eu fosse uma criança ganhando o presente de Natal que pediu ao Papai-Noel! (risos)
Claro que me incomoda perder todas as comemorações importantes na família, é um estilo de vida bem solitário, mas é algo que faz parte do trabalho. A maior parte do tempo quando eu volto pra casa não tem ninguém e às vezes os amigos não têm o mesmo dia de folga que você. Mas tento fazer desses momentos de solitude o meu dia de autocuidado, vou pra academia ou cinema.
E gosto muito de viajar sozinha! É um autoconhecimento! Toda vez que faço uma viagem descubro uma coisa em mim, seja um lado muito bom que não sabia que eu tinha ou algo que eu precise melhorar. Em todas essas experiências conheci pessoas incríveis que viraram amigos para a vida toda ou que apenas passaram por mim, mas me ensinaram valores que se eu não tivesse saído para desbravar o mundo sozinha não teria aprendido. E também sempre deixo um pouco de mim por onde passo…
Tem, ainda, a experiência de ser uma mulher vivendo em um país tão diferente como o Qatar. Por incrível que possa parecer, tem muitas vantagens, me sinto segura aqui. Posso sair para caminhar de madrugada que está tudo bem.
Mas, por ser um país árabe, às vezes é chato em algumas situações ter de depender dos homens para resolver algo, diante da cultura local. Mas não é nada extremo, dá para me virar tranquilamente!
E nunca presenciei ou passei por situação constrangedora de assédio aqui. Pode parecer contraditório dizer que mesmo sendo um país patriarcal e machista eles valorizam as mulheres. Da maneira deles, mas valorizam, sim. Eu observo que existe um respeito de ambas as partes, tanto dos locais com os estrangeiros e vice-versa.
Acho que quem vem conhecer os países do Oriente Médio deve vir com uma mente aberta, se deixar conhecer sem julgar. É uma cultura muito rica e de milhares de anos que com certeza vai te fazer vê-los com outro olhar.”
Texto: Paola Dantas
Fotos: Arquivo Pessoal / Instagram @imdantas
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